Spirandeo, Vanessa Neme, Luis Mauro Sá Martino, and Ângela Cristina Salgueiro Marques. "Enquadramentos em análises de dinâmicas interacionais: aproximações entre Goffman e Butler." Sur le journalisme, About journalism, Sobre jornalismo 12, no. 1 (June 27, 2023): 30–43. http://dx.doi.org/10.25200/slj.v12.n1.2023.525.
Abstract:
Este artigo delineia dois aspectos da noção de “enquadramento”, tal como foi originalmente criada pelo sociólogo canadense Erving Goffman, em seu livro Os quadros da experiência social e desenvolvida pela filósofa norte-americana Judith Butler em Vida Precária e Quadros de Guerra. Argumenta-se que a leitura feita por Butler reelabora a ideia original ao acrescentar a noção de que os frames estão diretamente relacionados ao exercício moral do poder, fundamentados na definição arbitrária do que deve ser conhecido por uma audiência como uma forma de vida reconhecível. Butler também abre espaço para o questionamento dos quadros estabelecidos, que não apenas são desafiados por novos esquemas de legibilidade, mas também deixam entrever as operações de violência que os sustenta. A partir de uma leitura que tenta aproximar os dois autores, argumentamos que é possível evidenciar uma preocupação comum com a maneira de construir quadros de sentido que informam e orientam a produção de respostas morais no âmbito interpessoal e no âmbito da elaboração de narrativas que circulam na mídia.A maneira como Butler analisa narrativas e imagens escolhidas pelos veículos jornalísticos para organizar os acontecimentos revela, em diálogo com Goffman, que o modo como é construído o aparecimento diante do outro (seja ele face a face ou mediado pela cena de visibilidade pública) interfere nas estratégicas de organização social e na própria sobrevivência de sujeitos e grupos. A prática jornalística contribui para a formulação de normas morais injustas, mas pode também atuar em prol da elaboração de enquadramentos que nos tornem sensíveis ao apelo ético da alteridade. Butler (2015) e Goffman (2002) apontam em seus trabalhos que a forma como vamos apreender e responder a esse apelo depende de como ele é formulado e enquadrado, de quais afetos são mobilizados na produção e na receptividade de quadros de sentido e de como os interlocutores aprendem a criar táticas de enfrentamento aos constrangimentos de poder. E, como evidencia Goffman, enquadramentos estão pautados por afetos, crenças e valores compartilhados em nossas experiências situadas, que sempre se organizam entrelaçadas às narrativas midiáticas e às narrativas identitárias que apreendemos criticamente. Assim, este artigo propõe que a noção de frame de Butler ressalta, em diálogo com Goffman, as dimensões éticas e estéticas que podem contribuir para a elaboração de narrativas jornalísticas comprometidas com a PT. Este artigo delineia dois aspectos da noção de “enquadramento”, tal como foi originalmente criada pelo sociólogo canadense Erving Goffman, em seu livro Os quadros da experiência social e desenvolvida pela filósofa norte-americana Judith Butler em Vida Precária e Quadros de Guerra. Argumenta-se que a leitura feita por Butler reelabora a ideia original ao acrescentar a noção de que os frames estão diretamente relacionados ao exercício moral do poder, fundamentados na definição arbitrária do que deve ser conhecido por uma audiência como uma forma de vida reconhecível. Butler também abre espaço para o questionamento dos quadros estabelecidos, que não apenas são desafiados por novos esquemas de legibilidade, mas também deixam entrever as operações de violência que os sustenta. A partir de uma leitura que tenta aproximar os dois autores, argumentamos que é possível evidenciar uma preocupação comum com a maneira de construir quadros de sentido que informam e orientam a produção de respostas morais no âmbito interpessoal e no âmbito da elaboração de narrativas que circulam na mídia.A maneira como Butler analisa narrativas e imagens escolhidas pelos veículos jornalísticos para organizar os acontecimentos revela, em diálogo com Goffman, que o modo como é construído o aparecimento diante do outro (seja ele face a face ou mediado pela cena de visibilidade pública) interfere nas estratégicas de organização social e na própria sobrevivência de sujeitos e grupos. A prática jornalística contribui para a formulação de normas morais injustas, mas pode também atuar em prol da elaboração de enquadramentos que nos tornem sensíveis ao apelo ético da alteridade. Butler (2015) e Goffman (2002) apontam em seus trabalhos que a forma como vamos apreender e responder a esse apelo depende de como ele é formulado e enquadrado, de quais afetos são mobilizados na produção e na receptividade de quadros de sentido e de como os interlocutores aprendem a criar táticas de enfrentamento aos constrangimentos de poder. E, como evidencia Goffman, enquadramentos estão pautados por afetos, crenças e valores compartilhados em nossas experiências situadas, que sempre se organizam entrelaçadas às narrativas midiáticas e às narrativas identitárias que apreendemos criticamente. Assim, este artigo propõe que a noção de frame de Butler ressalta, em diálogo com Goffman, as dimensões éticas e estéticas que podem contribuir para a elaboração de narrativas jornalísticas comprometidas com a valorização e reconhecimento das vidas. *** EN. This article looks at two aspects of the notion of "framing" as originally defined by Canadian sociologist Erving Goffman in his book Frame Analysis: An Essay on the Organization of Experience, then developed by American philosopher Judith Butler in Precarious Life and Frames of War. In our view, Butler's interpretation results in a reformulation of the original concept, adding the idea that framings are directly linked to the moral exercise of power, and rely on the arbitrary definition of what ought to be known, by a given audience, as a recognizable way of life. Butler also challenges established frameworks, not only by opposing them with new schemes of intelligibility, but also by revealing the processes of violence that sustain them. Drawing on an interpretation that attempts to bring the two authors closer together, we argue that it is possible to identify a common focus on the modes of construction of frames of meaning that inform and guide the production of moral responses, both in the interpersonal sphere and in the elaboration of narratives disseminated by the media. Butler's analysis of the narratives and images chosen by the news media to organize events, in dialogue with Goffman, reveals that the construction of their appearance before others (whether face-to-face or on a stage with public visibility) interferes with strategies of social organization and with the very survival of individuals and groups. Journalistic praxis contributes to the formulation of unjust moral norms, but it can also participate in the elaboration of framings that educate us about the ethical dimension of otherness. Butler (2015) and Goffman (2002) emphasize in their work that our way of apprehending this ethical call, and the ways in which we respond to it, depends on how it is formulated and framed, on the affects mobilized in the production and reception of these frames of meaning, and finally on the tactics that interlocutors learn to create in order to deal with the constraints of power. As Goffman shows, these framings are guided by affects, beliefs and values shared in our situated experiences, which are always organized through the interweaving of the media and identity narratives which are apprehend with a critical eye. We therefore argue here that Butler's notion of framing brings out, in dialogue with Goffman, the ethical and aesthetic dimensions that can contribute to the elaboration of journalistic narratives committed to the valorization and recognition of life. *** FR. Cet article se penche sur deux aspects de la notion de « cadrage » telle qu'elle a été définie à l'origine par le sociologue canadien Erving Goffman dans son livre Les Cadres de l’expérience, puis développée par la philosophe américaine Judith Butler dans Vie précaire et Ce qui fait une vie. La lecture de Butler aboutit selon nous à reformuler le concept initial, en y ajoutant l'idée que les cadrages sont directement liés à l'exercice moral du pouvoir et reposent sur la définition arbitraire de ce qui doit être connu, par un public donné, en tant que mode de vie reconnaissable. Butler ouvre également la voie à une remise en question des cadres établis, non seulement en leur opposant de nouveaux schémas de lisibilité, mais aussi en dévoilant les processus de violence qui les sous-tendent. Partant d'une lecture qui tente de rapprocher les deux auteurs, nous soutenons qu'il est possible de dégager une préoccupation commune quant aux modes de construction de cadres de sens qui informent et guident la production des réponses morales, aussi bien dans la sphère interpersonnelle que pour l'élaboration de récits diffusés par les médias. La manière dont Butler analyse les récits et les images choisis par les médias d'information pour organiser les événements, en dialogue avec Goffman, révèle que la construction de leur apparition devant autrui (qu'il s'agisse d'un face à face ou d'une scène de visibilité publique) interfère avec les stratégies d'organisation sociale et avec la survie même des individus et des groupes. La pratique journalistique contribue à la formulation de normes morales injustes, mais elle peut aussi participer à l'élaboration de cadrages qui nous sensibilisent à la dimension éthique de l'altérité. Butler (2015) et Goffman (2002) soulignent dans leurs travaux que la manière d'appréhender cet appel éthique, et d’y répondre, dépend de la façon dont il est formulé et cadré, des affects mobilisés dans la production et la réception des cadres de sens, et enfin des tactiques que les interlocuteurs apprennent à créer pour faire face aux contraintes de pouvoir. Comme le montre Goffman, ces cadrages sont guidés par des affects, des croyances et des valeurs partagés dans nos expériences situées, qui s'organisent toujours en s'entrelaçant avec les récits médiatiques et identitaires que nous appréhendons avec un regard critique. Nous avançons donc ici que la notion de cadrage de Butler fait ressortir, en dialogue avec Goffman, les dimensions éthiques et esthétiques qui peuvent contribuer à l'élaboration de récits journalistiques engagés dans la valorisation et la reconnaissance de la vie. *** valorização e reconhecimento das vidas.