Ferraz Jr, Tércio Sampaio. "A relação meio/fim na teoria geral do direito administrativo." RDAI | Revista de Direito Administrativo e Infraestrutura 1, no. 2 (September 30, 2017): 413–21. http://dx.doi.org/10.48143/rdai/02.tsfj.
Abstract:
1. Como sabemos, entre princípios constitucionais dos Estados de Direito, relativos à Administração Pública, está, em primeiro lugar, o princípio da legalidade1. Ao início, ele era concebido no sentido de que todo elemento de um ato da Administração Pública devesse ser expressamente previsto como elemento de alguma hipótese normativa: a norma devia, pois, fixar poderes, direitos, deveres etc., modos e sequências dos procedimentos, atos e efeitos em cada um de seus componentes e requisitos de cada ato etc. A isto se contrapunha o agir do âmbito privado, livre na sua autonomia. Essa concepção rígida do princípio da legalidade correspondia à concepção do poder administrativo como poder executivo e, pois da administração como execução. Como, entretanto, desta forma, a Administração Pública não teria podido funcionar, encontraram-se duas válvulas: a discricionariedade e as ordens da necessidade, válidas para atos administrativos a adotarem-se em circunstâncias extraordinárias.
Na experiência contemporânea, o princípio da legalidade assume um significado diverso, mais limitado, num certo aspecto, porém, mais afinado, sob outro: atém-se à atividade administrativa enquanto esta se exprime em atos que possuem um conteúdo autoritário. Assim, podemos dizer (v. GIANNINI, p. 83), o valor do princípio da legalidade mudou, sendo hoje mais que uma regra do conteúdo da atividade administrativa, uma regra do seu limite, inserindo-se na dialética da autoridade e da liberdade. Em consequência, nos casos em que a atividade administrativa não exprime esta dialética, ele não precisa ser aplicado, como, por exemplo, a atividade de programação do Estado e de outros entes públicos, que não se exprimem por atos autoritativos. Em função disto, por exemplo, M. Hauriou introduziu, na França, a noção de regime administrativo para indicar a substância do princípio da legalidade enquanto caracterizados da administração do Estado contemporâneo. A noção, contudo, suscitou debates ainda vivos na doutrina francesa, das quais se ocupam os seus tratadistas.
2. O regime referido costuma ser caracterizado juridicamente através de dois princípios: a) supremacia do interesse público sobre o privado; e b) indisponibilidade dos interesses públicos. Na doutrina francesa, o debate se dá em torno da busca de um critério capaz de impor um cunho sistemático ao complexo de regras administrativas. No século 19, este critério se localizou na noção de “poder público”, que se delineava na distinção entre atos de império e atos de gestão. A atividade administrativa do Estado seria aquela via autoridade, i. é, “poder de comando”. Mais tarde, apareceu a noção de serviço público, substituída, posteriormente, pela de interesse público e utilidade geral. O debate, contudo, não se encerra aí e ainda hoje soluções combinatórias são ensaiadas.
3. De qualquer modo, é obvio que a proclamação dos dois princípios mencionados encampam a necessidade de se estabelecer um critério para distinguir, integrar e justificar o sistema de Direito Administrativo. A aceitação de ambos envolve, a nosso ver, um esquema de meios/fins aplicado de modo evidente. Apesar desta evidencia, a relação meio/fim não é assumida com plena percepção.
4. A Ciência do Direito, na verdade, desde que se estabeleceu como ciência da sistematização e da interpretação do direito positivo, não tem quase relações com as demais ciências sociais. Ela vive numa ilha. A constituição específica de seu objeto parece permitir este isolamento. Em consequência, observa-se nas argumentações jurídicas, quando estas empregam conceitos como o de fins e meios, uma certa ingenuidade, se comparada com os refinamentos das teorias da decisão das outras ciências. O que se encontra, em geral, são afirmações do tipo: os meios devem estar adequadamente relacionados aos fins, submetidos, neste sentido, a regras de decisão que mais parecem servir à manifestação de boas intenções do que instruções para a tomada de decisão.
5. Conforme a tradição jusnaturalista da maioria de nossas dogmáticas, permanece, até certo ponto, uma evidência a afirmação de que normas jurídicas se relacionam à ação humana enquanto voltada para a consecução de fins, de tal modo que suas sanções fomentem os bons fins e impeçam os maus. Também os direitos e deveres do governante se submetem a estas formas coativas.
6. Ora esta concepção pressupõe, grosso modo, uma ordem social em que os papéis políticos não estão diferenciados por critérios próprios, mas se determinam, heteronomamente, por razões religiosas, familiares, militares etc. Só na base desta pressuposição é que se poderia admitir que os fins preenchessem sua dupla função: 1) integrar um complexo de ações numa unidade; e 2) justificá-lo.
7. Na verdade, porém, ainda que, na abstração das teorias gerais do direito, estas fórmulas permaneçam, desde o advento dos Estados Nacionais modificações, separando-se os diferentes subsistemas (religioso, econômico, educacional, cultural, político, etc.). Isso obrigou a um remanejamento da problemática do Estado (e da Política), transformando-se antigos conceitos ligados a uma economia familiar, como o da função dos príncipes localizada até então na produção da pax et tranquillitas, para conceitos ligados a noções mais abrangentes do tipo “razão do Estado”. Em consequência, por exemplo, noções como o jus emineus dos senhores feudais, originariamente um de seus direitos, passam a integrar um “direito policial” mais geral, que não é outra coisa senão a tarefa de fomentar o bem público conforme seu conhecimento racional. A última tentativa global para solucionar a questão da relação entre meios/fins voltados para a integração e justificação de um complexo de ações encontramos, então, na fórmula romântica da “autofinalidade” do Estado. Com o advento do positivismo dos séculos 19 e 20, porém, esta fórmula foi desacreditada. Desde então, o problema ficou em aberto, em que pesem as muitas tentativas de uma solução baseada em uma teoria geral.
8. O que se pode dizer, tendo em vista as complexas sociedades contemporâneas, é que a diferenciação social crescente torna duvidosa a antiga conexão entre a integração de um complexo de ação e a justificação deste complexo por meio do conceito de fim. Ainda Assim, encontramos afirmações de uso corrente, entre nossos juristas, como a de que o Estado, na sua função executiva além de criar situações jurídicas de caráter subjetivo por meios diretos e indiretos, “promove a manutenção da ordem e o fomento da cultura e da prosperidade do país” (MAZAGÃO, M., p. 108).
9. Na verdade, porém, mesmo quando acentuamos os fins do Estado, não se pode ignorar que a pura racionalidade dos fins como única forma programática fracassa, quando o subsistema político de uma sociedade se diferencia e se torna autônomo. Na realidade, aliás, foi o que sucedeu quando através da concepção do Estado de Direito, paradoxalmente, a concepção finalista foi enterrada e, imperceptivelmente foi retirada a validade jurídica da antiga racionalidade dos fins. O que se pode dizer é que, portanto, a fórmula orientadora meios/fins, com a passagem para o Estado de Direito, perde sua imediata relevância jurídica, sendo deixada de lado pelo desenvolvimento do Direito Administrativo, que a vê com certa desconfiança, limitando-a crescentemente ao campo da discricionariedade. Mesmo aí, porém, a estrutura funcional do esquema meios/fins, não é percebida com clareza. O fim é apresentado como fundamento para a justificação dos meios, mas circunscritos a casos excepcionais que exigem outras regras, como a de que meios não permitidos não podem ser empregados, porque fins que só podem ser alcançados por meios proibidos não podem ser juridicamente vinculantes. Estas formulações nos colocam, na verdade, dentro de uma capciosa tautologia que, afinal, serve apenas para fundamentar decisões que já tenham sido previamente tomadas. Em consequência, porém, quando tautologias como esta se tornam por demais evidentes, o jurista tende a responsabilizar o político pelo problema, sem se aperceber de que sua causa está nas suas técnicas mesmas de tratamento da relação meios/fins, as quais não permitem que o esquema seja adequadamente jurisdicizado. Vide, por exemplo, a querela em torno da chamada “prisão cautelar”.
10. Por tudo isso, o jurista hoje, quando fala de meios e fins, pensa logo em “abuso” e nos problemas correlatos. O que ele é incapaz de perceber é algo que alguns filósofos do direito, como Miguel Reale, vinham apontando, de certa maneira, há muito tempo: a relação entre fim e valor. Em nosso contexto, poderíamos dizer que o que os juristas não percebem (ou não conseguem aceitar) é a peculiar função dos fins, localizada na neutralização axiológica das consequências (LUHMANN, p. 58 ss.). A permissão jurídica da ação do Estado é, via de regra, vinculada a fatos-tipos já definidos na sua generalidade. A aproximação da realidade se dá através de contínua precisão, diferenciação e classificação dos tipos e através do esquema retórico regra/exceção. O uso heurístico da neutralização axiológica só é tratado praticamente no campo destinado à discricionariedade e assim mesmo como um terreno à parte, não regulado e só sob certas condições. Na verdade, porém, as duas dificuldades conceituais de uma teoria geral do direito administrativo mostram controvérsias que têm uma relação direta com este problema teórico do esquema fins/meios: a questão sobre os limites do princípio da legalidade da administração e a questão da limitação da discricionariedade dos conceitos indeterminados.
11. Na verdade, esta questão pode ser percebida pela oposição entre os que chamaríamos de modos de validação do direito. Embora o conceito de validade jurídica conheça muitas interpretações, a predominância do positivismo analítico tem levado o jurista a encarar a questão da validade como um conceito de vigência. Neste sentido, a lição de Kelsen, ainda que não expressamente, é aceita pela maior parte dos tratadistas, mormente no direito público. A validade é, assim, reconhecida como uma relação entre uma norma dada e a conformidade a preceitos superiores que determinam o seu estabelecimento. Esta noção, tão simples no seu enunciado, esconde, a nosso ver, dois processos que se cruzam de forma nem sempre coordenada. Para entendê-lo, porém, é preciso redefinir a noção de validade em termos que chamaríamos de pragmáticos, isto é, que dizem respeito às interações entre o emissor e o receptor das normas (FERRAZ JR., Tercio Sampaio, p. 109).
12. Encarando-se a norma jurídica como um enunciado prescritivo que estabelece entre o emissor e o receptor da mensagem uma relação de autoridade, podemos dizer que através de normas o editor comunica ao sujeito uma superioridade hierárquica no sentido de que pode aceitá-lo ou negá-lo, mas não pode desconfirmá-lo. Aceitar a autoridade significa cumprir-lhe os preceitos; negá-la significa descumpri-los, mas sujeitando-se aos riscos decorrentes, aceitando esta decorrência; desconfirmá-la significaria ignorar a autoridade, agir como se ele não existisse. Assim, por exemplo, o ladrão que furta e foge nega a autoridade; já o revolucionário que assalta e desafia está desconfirmando a autoridade. Ora, uma autoridade só se mantém como tal na medida em que é capaz de, ela própria, desconfirmar ou desacreditar uma eventual desconfirmação do sujeito, encarando esta desconfirmação como mera negação.
13. Pois bem: neste contexto, diríamos que uma norma é válida na medida em que seu editor consegue manter-se como autoridade perante o sujeito, i. é, na medida em se imuniza contra eventuais desconfirmações. Juridicamente, esta imunização se obtém através de outra norma que por sua vez a obtém de outra, significando isto que a validade é uma relação de imunização dentro de um ordenamento. A imunização, entretanto, é obtida através de suas diferentes técnicas de validação que denominaremos técnica finalista e técnica condicional (ver nosso Teoria da Norma Jurídica, p. 109).
14. Ambas as técnicas representam, na verdade, relações entre meios e fins, mas com cargas imunizantes diferentes. Assim, uma norma imuniza outra condicionalmente na medida em que lhe fixa as condições em aberto os fins a serem atingidos. Por sua vez, uma norma imuniza outra finalisticamente na medida em que lhe fixa os fins a serem atingidos, deixando os meios em aberto. O efeito imunizador, em ambos, está em que, pela prefixação dos meios ou dos fins, a autoridade pode decidir, neutralizando possíveis críticas desconfirmadoras. Mas sua imunização é diferente nos dois casos.
15. Pode-se dizer que se a validação usada é condicional, torna-se possível, para a autoridade, desvincular os meios dos fins, responsabilizando-se pelos meios, mas não pelas consequências. Ora se estes meios estão já fixados, a autoridade se exime de críticas quanto aos fins, desde que se ateve aos meios. Neste sentido, para controlar, se uma norma é válida basta regredir no processo hierárquico e verificar, na cadeira das normas, se os meios estabelecidos foram utilizados.
16. Distinto é o caso da validação finalista. Aqui não é possível desvincular meios e fins, pois a prefixação dos fins exige que eles sejam atingidos. Para isto, a autoridade tem de encontrar os meios adequados, sendo, pois, responsável pela própria adequação, ou seja, não só pelos fins, mas pelos meios também. Neste caso, o efeito imunizador da fixação exige da autoridade um comportamento não automático, mas participante, pois de mera utilização de um meio qualquer não segue necessariamente o fim. Neste sentido, para controlar se uma norma é válida não basta regredir no processo hierárquico, mas é preciso verificar, de caso para caso, se a adequação foi obtida. Se o controle da validade condicional é generalizante, o do finalista é casuístico.
17. À luz destas distinções podemos dizer que as administrações públicas são, na verdade, sistemas de tratamento de informação sob regime administrativo o qual combina, estruturalmente as duas validações. Primordialmente, estes sistemas recebem informação do seu mundo circundante, dão-lhes um tratamento e as devolvem, na forma de decisões, para o mundo circundante. Ora, a validação condicional regula a entrada das informações que serão então tomadas como causa das decisões. Já a validação finalista regula a saída, as decisões, que provocarão efeitos no mundo circundante, ou seja, aquilo que decide o que é interesse público e que será tratado pelo sistema da administração é a norma validada condicionalmente. E o que decide da legitimidade pública dos efeitos é a norma validada finalisticamente. Assim, a validação condicional imuniza o regime administrativo contra as consequências criticáveis das decisões, ou seja, o importante é que se tomem decisões conforme as prescrições legais e isto basta, em princípio. Já a validação finalista imuniza o regime administrativo quanto à adequação dos efeitos aos meios. Com isto, a Administração Pública se torna relativamente livre em relação ao seu mundo circundante.
18. Sua autonomia, contudo, não depende, como se vê, da mera fixação de meios, mas da correlata fixação dos fins, ou seja, sua autonomia não repousa nem nos chamados fins do Estado nem do automatismo dos meios, mas na possibilidade de uma autoprogramação de suas decisões por intermédio de uma adequada combinação das técnicas finalista e condicional.
19. Ora, interpretando-se o regime administrativo à luz deste esquema meio/fins, expresso nas mencionadas técnicas de validação, podemos iluminar, de um ângulo diverso, uma observação de Celso Antônio Bandeira de Mello (p. 310), segundo a qual o trabalho teórico/prático do jurista visa a descobrir a rationale que congrega e unifica um complexo de cânones e normas. Esta racionalidade é teleológica, escondendo, pois, um processo de neutralização de valores, mesmo porque, como vimos, o que define se um interesse é público ou privado não é sua repercussão intensa ou secundária sobre a sociedade, mas o regime que o disciplina, ou seja, da multiplicidade dos valores sociais em jogo, cabe ao legislador decidir, por meio de validação condicional, quais deles serão reputados como manifestando um interesse público. Assim, do princípio da supremacia do interesse público, por exemplo, decorrem importantes consequências, como a posição privilegiada do órgão encarregado de zelar e de exprimir o interesse público nas relações com os particulares e a posição de supremacia do órgão naquelas relações (MELLO, Celso Antônio Bandeira de, p. 294). Estas consequências exprimem fins, como a proteção assegurada aos interesses públicos, aos quais se ligam meios que lhes são pressupostos, como a presunção de veracidade e legitimidade dos atos administrativos, benefícios de prazos em dobro, prazos especiais para prescrição de ações, etc. Da conjugação dos dois princípios segue ainda a exigibilidade dos atos administrativos e a executoriedade com recurso à compulsão sobre a pessoa ou coisa e a execução de oficio.
20. Graças à técnica de validade condicional, ao administrador é possível desvincular, nestes casos, meios e fins, respondendo pelos meios corretos, mas eximindo-se de responsabilidade pela fixação dos fins, ou seja, se os meios determinados forem usados corretamente, mas deles não se seguiram os fins colimados, ele não tem uma responsabilidade solidária pela opção (política) do legislador. Assim, do princípio da indisponibilidade dos interesses públicos, estendido no sentido de que os interesses públicos não se encontrem à livre disposição de quem seja, por inapropriáveis, segue não apenas um poder, mas um dever em relação a um objeto, cingindo o administrador ao cumprimento da finalidade que lhe serve de parâmetro. Isto significa, afinal, que o decididor não tem responsabilidade dos fins em termos de um compromisso futuro; apenas comprova se se verificam as hipóteses preestabelecidas, podendo, deste modo, manter-se objetivo e neutro.
21. Neste ponto, o princípio da legalidade é fundamental, ao lado de outros. Ele subordina explicitamente a atividade administrativa à lei. Esta subordinação é, no fundo, uma relação de meios e fins, pois a atividade mencionada se vincula à vontade da lei, não só em termos de conformidade, mas também de autorização como condição da ação. Desta vinculação decorrem consequências, como a possibilidade de se definir o desvio de poder ou seu abuso, ao que se conjuga o princípio da ampla responsabilidade do Estado. Mas, por isso mesmo, o princípio da legalidade tem também um efeito de validação finalística para o legislador, pois este, ao fixar na lei um conjunto de princípios, até inconscientemente, se vê prisioneiro de um sistema que ele próprio instaura, ou seja, o mesmo princípio que para o administrador o alivia do compromisso com o futuro, cinge o legislador de modo finalista, não podendo este separar a sua responsabilidade pelos meios da dos fins e vice-versa, os quais, são para ele, solidários. Este é, aliás, o sentido mais profundo da legalidade nos Estados de Direito. Esta solidariedade, por sua vez, reverte à própria administração, enriquecendo a responsabilidade condicional do administrador.
22. De mesmo modo, a discricionariedade se baliza pelo mesmo esquema, pois, por maior que seja o seu campo, ela estará modelada pela lei. Como diz Celso Antônio Bandeira de Mello, ela se contém num interregno referente ao espaço preenchível através de objetivos sucessivos e comportamentos encadeados, espaço este que se abre entre os atos (meios) e as finalidades, isto é, a noção de interesse público. A discricionariedade surge maior ou menor, “ao longo do itinerário conducente ao implemento da finalidade que a lei houver consagrado” (v. p. 425).
23. Na verdade, a conhecida distinção entre ato vinculado e ato discricionário mostra, afinal, com clareza o uso das duas técnicas de validação. O ato vinculado nada mais é, neste sentido, que uma decisão validada de modo condicional, enquanto o discricionário se refere à decisão validade de modo finalista. No primeiro, a imunização ocorre pelo correto e rigoroso emprego dos meios. No segundo, a solidariedade entre meios e fins exige a correta adequação, tendo em vista os fins fixados e a atingir. É óbvio que, neste caso, deve existir por parte do administrador uma disposição aceitável de meios e fins, de modo a alcançar-se o consenso e a cooperação mais concretos possíveis entre os interessados. Este esforço não é inofensivo, pois leva a uma considerável sobrecarga da racionalidade da decisão, obrigando à admissão de várias informações e objetivos secundários no decurso da decisão, ou seja, elas são racionalizadas através de uma espécie de cálculo de rentabilidade.
24. A técnica de validação finalista faz, portanto, do ato discricionário uma norma cuja validade jamais se liberta do juízo de valor do seu emissor. Não lhe bastam, por isso, os requisitos da validade condicional (os requisitos formais da vigência), pois a atuação em vista de um objetivo programado exige um controle também político e em detalhe, de cima a baixo, pois a mera utilização dos meios não significa que deles decorram, necessariamente, os fins colimados. Assim, a verificação da sua validade nos obriga a pensar em probabilidade e chances, escala móveis, proporções de valores e oportunidades condicionadas pelo tempo, ou seja, levam-se em conta, dada a impossibilidade de uma impessoalização neutra, o procedimento utilizado, a competência (não jurídica) especializada e, sobretudo, as repercussões para além das consequências puramente jurídicas, pois os seus resultados inesperados não são um erro agravamento possível, mas serão tidos como não justificados.
25. Pode-se constatar, pelas observações aqui apresentadas, que a relação meios/fins, via técnicas jurídicas de validação, têm implicações importantes, nem sempre aprofundadas pela Dogmática. Não foi nossa intenção seguir-lhe as repercussões até as últimas consequências, mas apenas levantar alguns aspectos mais gerais do problema. Quer-nos parecer, contudo, que um exame mais detalhado das técnicas está a merecer a atenção do jurista, pois elas abrem um campo sensivelmente ampliado para as investigações da Ciência do Direito.